Senhor Digué.

Senhor Digué.

        Um dia, quando adolescente, eu estava sentado no banquinho de madeira dentro de uma mercearia, cujo o proprietário era pai de um grande amigo, quando percebi entrar uma criança meio ressabiada com olhar desconfiado e todo acanhado, olhando na direção do dono daquele estabelecimento.

        Algo me chamou a atenção no olhar triste da criança, que trazia consigo um pequeno bilhete em uma das mãos e seu irmão seguro pela outra.

        Educadamente chamou o dono da mercearia.

        __Senhor!

        Exclamou o menino.

        __Posso falar com o senhor?

        __Lógico meu amiguinho, o que quer falar?

    Naquele momento percebi que a criança olhou para mim, e com um modo sutil ele falou que era um conversa em particular.

        Eu não queria ouvir, mas o que dizer de uma mercearia familiar de quatro paredes sem portas?

        O menino então pediu para o dono da mercearia se abaixar, assim ele poderia falar em seu ouvido o que ele queria.

        Assim fez o dono da mercearia com um sorriso largo no rosto, com a meiguice de sempre ouviu, e sorriu ao término do pedido do menino.

        Imediatamente o dono da mercearia saiu entre os corredores de mantimentos com uma caixa na mão, e começou a colocá-los dentro dela, enchendo-a com uma verdadeira cesta de alimentos.

        Enquanto ele pegava arroz, feijão, óleo e outros cereais em pequenas quantidades, as crianças ficaram ao meu lado calados, e olhando a sua vez de receberem o que foram pedir.

        Minutos depois chegou o dono da mercearia com algumas sacolas cheias, chamando os meninos para irem pegá-las.

        Fiquei atendo a tudo, até mesmo no olhar das criança ao verem tantas sacolas, e talvez por isso, os meninos esqueceram da vergonha e discrição que os levaram a pedir um particular com o comerciante.

        Naquele momento ouvi nitidamente toda conversa, e através dela descobri o motivo de tudo: O motivo do particular, dos olhares das crianças e dos sorriso de satisfação deste grande comerciante.

        Pois o menino mais velho levou em suas mãos o bilhete, que era uma pequena lista de alguns produtos de casa que sua mãe estava necessitando.  Seu pai estava trabalhando fora numa cidade longe, e exatamente naquela semana, o dinheiro que ele sempre mandava não havia chegado.

        Seu pai não tinha recebido o salário do mês, deixando a necessidade e a fome baterem na porta da casa das crianças.

        A lista que o menino levava era do básico, alimentos para passarem no máximo dois dias.

        Aqui se faz os grandes homens.

        Aquele senhor não se importou com custo, valores ou data de pagamento, algo raro entre comerciantes.

        Ele passou entre as mercadorias e foi simplesmente colocando no cesto que levava, com o cuidado de não deixar nada faltar.

        O menino mais velho surpreendido com tantos alimentos na cesta, avisou ao dono da mercearia que a lista dele estava errada, pois sua mãe pediu para pegar apenas alguns mantimentos.     

        Mas teve a resposta que a lista está certa, e tudo que estava ali era para eles levarem.

        O menino insistiu.

        “__ Mas senhor, não poderemos pagar tudo ao senhor, minha mãe não tem o dinheiro para esta compra.”

        Sem meias palavras as crianças ouviram.

        “__Meninos, falem para sua mãe que basta me mandar um Deus lhe pague, e estará tudo certo”.

        Estremeci com aquela cena e tamanha bondade, os menino com os olhos cheios d’água, o dono da mercearia com olhar leve e um brilho especial na face, e eu?

        Tremendo de emoção até hoje.

        Esta é a nossa gente.

        Este é o exemplo de vida.

        Aquele senhor é meu amigo saudoso Senhor Digué (José Romano Barbosa), um homem que deixou amigos, lembranças e o verdadeiro exemplo de vida. 

 

Leandro Campos Alves.

Maio de 2017.

Livro Memória Póstumas.

Minha homenagem a este grande homem.

Crônicas e Contos de Leandro Campos Alves.

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